Era mais uma tarde em que estávamos juntos, naquele sofá. Aquele sofá bege, que eu gostava de dizer que tinha a cor do Sol quando está doente. Eu acreditava realmente nisso. E tu, tu estavas sempre a dizer que eu era tonta, uma sonhadora que não parava de imaginar coisas hilariantes. Eu não te ligava, não me importava o que tu dizias. Até que tu percebeste que não me ias afectar, e que eu ficava feliz quando dizias que era uma menina que não parava de sonhar, mas que era a tua menina. E eu acabei por parar de dizer porque tu também já não te importavas que eu o dissesse.
Naquele dia tinhas uma camisola azul. A mesma que tinhas vestida quando nos conhecemos, no vermelho banco de jardim da terra da minha tia. A tua camisola fazia-me lembrar o mar e o céu. E lembrava-me também o sol. E disse-te aquilo que já não dizia há muito tempo. Que o nosso sofá era da cor do sol quando está c doente! Tu riste-te para mim, de forma doce, daquela forma que eu gostava. Rias-te sempre desta forma quando eu dizia aquilo a que tu chamas “meus disparates”. Disseste que já tinhas saudades da tua sonhadora. Eu olhei para os teus olhos castanhos muito claros a sorrir. Tu puseste a tua mão morena na minha face muito branca. Depois abraçaste-me com muita força. Disseste no meu ouvido que podias ficar ali para sempre. Sabias que me fazias feliz quando dizias isso e tu também gostavas de o dizer. Cada vez que dizias era diferente, como se encontrasses sempre uma forma especial de tocar no meu coração. Era o que melhor sabias fazer. Chegar ao meu coração. Sabias bem como ele sentia, como ele funcionava.
Antes de chegares tinha estado a escrever. Gostavas de ver o que eu escrevia, mas eu não gostava que visses. Tinha apagado todos os vestígios de palavras soltas. Apenas tinha deixado o meu caderno verde, e a minha bolsa roxa. Pegaste no meu caderno e desfolhaste. Já quase não tinha folhas porque arrancava sempre para tu não veres. Procuraste, mas não encontraste, ainda não era naquele momento que ias ler mais um daquilo a que tu chamavas “a minha poesia em prosa”. Pegaste no caderno e na bolsa e foste novamente sentar-te junto de mim. Eu abri a bolsa e escrevi o teu nome numa folha. Querias que eu escrevesse com a caneta azul, da cor da tua camisola. Mas eu quis escrever a cor-de-rosa. Sabias que era a minha cor preferida. Contestaste, disseste que cor-de-rosa não era cor de rapaz. Eu ri-me de ti e disse que era por saber que tu não gostavas que eu tinha escrito daquela cor que para mim era mágica. Tu, que ainda tinhas a caneta azul na mão, riscaste a minha mão. Disse que me ia vingar e que tu não ias gostas. Pediste que não te riscasse com a caneta rosa, como se tivesses lido os meus pensamentos. Levantaste-te do sofá rápido como um trovão. Daqueles que aparecem numa noite com o céu preto, muito escuro. Daqueles que tu sabias que eu morria de medo. Eu fui a correr atrás de ti. Com a minha camisola amarela, esta sim da cor do sol. Como eu gosto daquela cor, dá-me energia. Mas tu e eras demasiado rápido. Sabias bem que eu não te conseguia apanhar. Eu corri. Mas mais uma vez apercebi-me que ara uma luta perdida. Então voltei a sentar-me tranquilamente no sofá. Mas não no nosso. No outro, que não era da cor do sol quando está doente. Era verde, um verde que não era o verde da relva. Era um verde calmo. Claro. Foste sentar-te ao pé de mim, foste dizer-me que eu tinha perdido. Eu escondera a caneta. E quando te sentaste peguei nela e risquei-te. Mas ao fazê-lo cai em cima de ti. Rebolámos e caímos no tapete branco, cor da paz. Ficámos caídos no chão da sala. A rir como tontos.
Quando te levantaste, tentei que não o fizesses, mas disseste que estavas a ficar com frio, que o chão era demasiado frio. Eu sabia bem como tu eras. Friorento como ninguém, e naquela tarde não estava calor. Sentaste-te no nosso sofá com o meu caderno na mão. Chamaste-me. Não quis ir porque sabia que me ias riscar. Mas disseste que podia ir e não me ias fazer mal. Levantei-me e tirei os chinelos. Tinha umas meias amarelas como a minha camisola. Abraçaste-me e, com a minha mão, pegaste numa caneta. Eu tinha canelas de todas as cores. Gostava de colorir. Com cuidado, um cuidado que só tu sabias ter, desenhaste o arco-íris. Naquele fim de tarde. Nunca algo fora tão mágico. Apenas o nosso arco-íris de papel, de todas as cores. Feito com o maior carinho. Da forma mais encantadora.
E terminámos a tarde, enamorados, comigo a dizer que o sofá era da cor do sol quando está doente e tu a dizeres-me que os meus olhos são verdes, da cor do mundo!
Texto para a Fábrica de Histórias.